Todo começo de ano, os noticiários se permeiam de informações e alardes, a cerca da chuva e suas consequências, por todo o estado de São Paulo. Enchentes, desmoronamentos, casas e vidas destruídas ganham destaque por semanas a fio, e a pergunta que todos se fazem é: como chegamos a esse ponto? Infelizmente, a resposta passa, não apenas, pela compreensão da lógica pura dos fenômenos naturais. É preciso voltar alguns anos, na história do nosso país, para entender como e porque, hoje, milhares de pessoas se afetam com esses fenômenos.
Desde meados do século XX, o Brasil passou por um forte processo de industrialização, que transformou nossa em nação, de maioria rural, para maioria urbana, num ciclo que, ainda hoje, ecoa por nossas cidades. Com o aumento da urbanização, nos grandes centros, aumentava-se, também, a necessidade de mão-de-obra para a construção civil e indústria, fato que gerou a já conhecida migração, majoritariamente, da população das regiões norte e nordeste do país, para o sudeste (especialmente, a cidade de São Paulo) do Brasil.
Esses migrantes chegavam com a esperança de encontrar melhores condições de emprego, renda e qualidade de vida, num canto do país que só fazia crescer. Dessa maneira, a demanda natural por moradias se ampliava, como era de se esperar, requerendo novos espaços e locações, para todos. No entanto, nesse período, os centros urbanos já estavam tomados pela estrutura que os fazem receber essa nomenclatura, atualmente.
A população de classes média e alta já havia tomado posse dos principais terrenos e loteamentos da cidade, restando, para os migrantes, apenas, as regiões periféricas, originárias dos subúrbios e com grande deficiência de infraestrutura básica, como rede de esgoto, energia, água encanada e transporte público adequado. Além disso, os terrenos encontrados nessa regiões da cidade, nem sempre, dispunham de condições topográficas favoráveis à construção de casas para habitação. Para piorar, nem mesmo esses imóveis poderiam ser adquiridos, por todos, o que forçou várias famílias à migrarem para regiões de extremo risco, como encostas, margens de rios, morros e córregos, dando origem às favelas.
Com o tempo, a população residente nas periferias passou a sofrer com os sinônimos que as acompanhavam, fazendo referências à inferioridade e desigualdade social. Isso fica claro, num estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, datado de 1975, quando, em determinado trecho, verifica-se a constatação de que “(…) hoje em dia [1975], a expressão “periferia”, que serve para designar os bairros mais afastados do centro, tornou-se sinônimo, em certos meios, da noção de marginalização ou de exclusão social” (ibidem, p. 23).
O que tudo isso tem a ver com os fenômenos naturais que assolam nossas cidades? Tudo! Há, por todo esse processo de urbanização, uma relação direta entre o crescimento demográfico da população de regiões urbanas, com o uso e ocupação do solo, sem o devido planejamento, devendo-se considerar a responsabilidade do Estado, em todas suas instâncias, no papel de, não apenas, fiscalizar e impedir a formação de moradias de risco, mas de criar e fomentar políticas públicas mais amplas e que cubram o déficit habitacional das grandes capitais brasileiras e centros urbanos, como um todo, uma vez que esse fenômeno, ao longo dos anos, criou condições de risco, de forma a expor centenas de milhares de famílias à possibilidade de tragédias e desastres causados pelas chuvas e suas consequências, quando se mora em regiões afastadas, mal preparadas e de solo desgastado, que contribuem para o assoreamento deste.
No estágio em que estamos, simplesmente, conscientizar todos, dos perigos iminentes, não é, mais, solução para os problemas. Mesmo com as dificuldades existentes, na regularização dessas áreas, é preciso cobrar ações efetivas, por parte do poder público, que diminuam, gradativamente, os efeitos de um problema que, mais do que oriundo de questões naturais, encontra origem no descaso político e social.